O homem tranquilo
Do teatro enquanto banda desenhada por ilustrar, à direcção artística do S. João, o percurso em voz baixa de Nuno Carinhas, um artista multifacetado
POR JOANA LOUREIRO, 8 de Abril de 2010
Há quem reprima pulsões e ignore vocações. E quem as abrace e assuma uma personalidade caleidoscópica.
O currículo de Nuno Carinhas, 55 anos, não deixa margem para dúvidas. À cabeça, exibe os títulos de pintor, cenógrafo, figurinista e encenador. Lendo mais atentamente, surgem colaborações com alguns nomes sonantes da classe artística portuguesa, ligações a múltiplas companhias de teatro, participações episódicas em quase todas as artes. Desde Fevereiro de 2009, assumiu um lugar de peso, a direcção artística do Teatro Nacional S. João (TNSJ). Para o seu antecessor, Ricardo Pais, «o Nuno vive escondido por detrás de um currículo absolutamente extraordinário. Conhece-se pouco a pluralidade das suas valências».
Agora, viu-se forçado a sair da sombra e contrariar o temperamento discreto. Quem lida com ele na intimidade revela o sentido de humor apurado, o requinte e cultura muito abrangente, os pés leves de dançarino, os dotes de observador agudo. A génese do eclectismo remonta à infância. «Tive um percurso e oportunidades muito diferentes das crianças que me rodeavam», conta. Filho único, nascido e criado em Lisboa, desde os 5 anos acompanhava os pais nas lides do teatro amador e sentava-se na plateia de vários espectáculos. «Passei da banda desenhada para o teatro, onde os quadradinhos em branco eram preenchidos com a nossa imaginação, porque os diálogos já lá estavam.» Perdia-se na imensa biblioteca da família, e partilhava das inúmeras discussões à mesa de um grupo próximo dos católicos progressistas.
Na hora de escolher uma formação, as indecisões foram inevitáveis. «Os testes psicotécnicos revelaram-se completamente inconclusivos, embora houvesse uma componente artística contemplada », recorda. Optou por Pintura, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa.
«Estava a passar por uma fase bastante mais intimista do que seria desejável para a área do teatro.»
O currículo de Nuno Carinhas, 55 anos, não deixa margem para dúvidas. À cabeça, exibe os títulos de pintor, cenógrafo, figurinista e encenador. Lendo mais atentamente, surgem colaborações com alguns nomes sonantes da classe artística portuguesa, ligações a múltiplas companhias de teatro, participações episódicas em quase todas as artes. Desde Fevereiro de 2009, assumiu um lugar de peso, a direcção artística do Teatro Nacional S. João (TNSJ). Para o seu antecessor, Ricardo Pais, «o Nuno vive escondido por detrás de um currículo absolutamente extraordinário. Conhece-se pouco a pluralidade das suas valências».
Agora, viu-se forçado a sair da sombra e contrariar o temperamento discreto. Quem lida com ele na intimidade revela o sentido de humor apurado, o requinte e cultura muito abrangente, os pés leves de dançarino, os dotes de observador agudo. A génese do eclectismo remonta à infância. «Tive um percurso e oportunidades muito diferentes das crianças que me rodeavam», conta. Filho único, nascido e criado em Lisboa, desde os 5 anos acompanhava os pais nas lides do teatro amador e sentava-se na plateia de vários espectáculos. «Passei da banda desenhada para o teatro, onde os quadradinhos em branco eram preenchidos com a nossa imaginação, porque os diálogos já lá estavam.» Perdia-se na imensa biblioteca da família, e partilhava das inúmeras discussões à mesa de um grupo próximo dos católicos progressistas.
Na hora de escolher uma formação, as indecisões foram inevitáveis. «Os testes psicotécnicos revelaram-se completamente inconclusivos, embora houvesse uma componente artística contemplada », recorda. Optou por Pintura, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa.
«Estava a passar por uma fase bastante mais intimista do que seria desejável para a área do teatro.»
Tinha 19 anos quando ocorreu o 25 de Abril. «Havia que passar à acção, do ponto de vista afectivo, ideológico, das linguagens.» Entre outras coisas, foi um dos sócios fundadores d'A Barraca, em 1976. «Era o momento propício para as pessoas se juntarem, fazíamos um teatro agit-prop e percorríamos o País com espectáculos.» Ficou cerca de um ano na companhia. «Nunca deixei de ser freelancer. Fiz algumas tentativas para 'fazer parte de', mas não conseguia resignar-me a ficar no mesmo sítio. Tive sempre a relutância em ser funcionário de alguma coisa.» Mesmo sem amarras, as cumplicidades marcariam o seu percurso. Conheceu Ricardo Pais por volta de 1978 e logo iniciaram um período de colaboração intensa. Pelo menos, até aos anos do Ballet Gulbenkian, no início da década de oitenta. Jorge Salavisa, 71 anos, nunca esqueceu o workshop era ele director artístico na companhia de dança, em que se pedia um projecto de cenografia para uma coreografia de Vasco Wellenkamp.
«Enquanto os outros participantes fizeram coisas elaboradíssimas, o Nuno inscreveu-se com um cubo de metal de uma simplicidade e beleza que tinha tudo a ver com a peça do Vasco. Essa imagem, para mim, representará sempre o Nuno.» Foi também por essa altura que se cruzou com Olga Roriz, 56 anos, a trabalhar como bailarina da Gulbenkian. «A aura de timidez pairava à sua volta. No nosso primeiro jantar, não entendi metade do que disse. De repente, abriu-se ali um mundo, que me acompanha até hoje», conta a coreógrafa. Foram 11 anos de vida e de trabalho em comum. Tiveram uma filha, Sara Carinhas, 22 anos desde há alguns anos a dar passos firmes na representação, tendo trabalhado com o pai em Tambores na Noite, de Brecht. Nuno assinava a cenografia e os figurinos de grande parte das coreografias de Olga, primeiro no Ballet Gulbenkian, depois na Companhia de Dança de Lisboa.
Foram momentos intensos, de reuniões sem hora marcada, de entrega total «foi a pessoa que mais me influenciou na vida». E de muitas noites a dançar, como se não houvesse amanhã.
Em 1995, quando Ricardo Pais assumiu o papel de director artístico do TNSJ, a primeira pessoa que convidou para encenar na casa foi o Nuno Carinhas, com a peça de Calderón de la Barca, O Grande Teatro do Mundo. «Temos ritmos, formação e visão da produção teatral diferentes, além de temperamentos completamente opostos, mas os nossos gostos são muito aproximados.
Nos projectos transdisciplinares foi um grande companheiro», afirma Ricardo.
Os holofotes do S. João
Na hora de passar o testemunho, Ricardo Pais não teve dúvidas em aconselhar o nome de Nuno Carinhas. «Era aquele que mais tinha trabalhado no S. João, numa série de frentes e nas mais variadas escalas. E era muito querido pelas pessoas.» Para Paulo Eduardo Carvalho, tradutor de inúmeras peças levadas à cena pelo TNSJ, «é muito fácil trabalhar com o Nuno. Combina delicadeza de trato com disponibilidade, abertura, curiosidade e entusiasmo». A personalidade reservada entra em conflito, contudo, com a exposição inerente ao cargo. «É o que mais me custa. Causa-me alguma gaguez pública, entorpece-me os sentidos, cansa-me quando é muito persistente, mas são as contradições do sistema...», confessa Carinhas. Olga Roriz acredita que, durante o tempo em que Nuno se manteve na sombra, «adquiriu uma couraça de conhecimento, uma tranquilidade e uma segurança muito grandes».
As pulsões de Carinhas conduziram-no a várias linguagens. Teve uma passagem fugaz pela representação, inclusive com um papel no filme Francisca, de Manoel de Oliveira. «Foi bom para experienciar o teatro por dentro, enquanto intérprete, mas sempre achei que o meu lugar era outro.» Fez direcção de arte no primeiro filme de Joaquim Leitão. Realizou uma curta-metragem, Retrato em Fuga, em 2000. Experimentou a dramaturgia, ao escrever Uma Casa Contra o Mundo, para a companhia Ensemble.
Participou em várias exposições de pintura, individuais e colectivas mas hoje, pouco tempo tem para pintar. «Sou muito exclusivista, a minha vida podia ser marcada por uma série de coisas únicas», comenta com ironia. Episódios que aumentam a paleta de cores do caleidoscópio.
Sem conseguir pensar em termos de carreira, diz ter aceite o cargo de director artístico «na altura certa»: «Tinha o conhecimento da casa e uma maior vontade de enraizar. Mas tudo é volátil.
POR JOANA LOUREIRO
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