"A acção começa na véspera da Batalha de Fehrbellín.Homburgo, incansável, vem perseguindo, àcabeça da Cavalaria, os suecos de Wrangel emfuga. Chegado a Fehrbellín, atira‑se sobre a palha,para descansar umas horas. Mas é traído pelo seu sonambulismo… e vem, dormindo, para o jardimdo palácio, tecer uma coroa de louros; o amigo Hohenzollern, avisado do sucedido, aparece como Eleitor Frederico, a Eleitora e Natália d’Orange, princesa holandesa, sobrinha do Eleitor, tambémela órfã, e fugitiva, agora acolhida na corte doBrandeburgo. Hohenzollern denuncia, em jeitode brincadeira, diante da “família adoptiva” do Príncipe, aquele “mau hábito do espírito” de Homburgo. Ali onde está, sonhando com a glória nabatalha do dia seguinte, já deixou partir a Cavalaria que ele próprio comanda. Quando vê a coroa de louros pronta, a ideia de uma brincadeira inocente atravessa o espírito do Eleitor. Tira a coroa das mãos do Príncipe e entrega‑a a Natália, para que proceda ela a uma coroação jocosa. Mas o sonho do Príncipe e a realidade da brincadeira parecem seruma e a mesma, e Homburgo, ainda sonâmbulo,levanta‑se, chama Natália, parece reconhecer o Eleitor e a mulher; persegue‑os enquanto todos recuam atabalhoadamente, perplexos e assustados.Na perseguição, querendo arrancar a coroa de louros das mãos de Natália, é apenas uma luva o que eleconsegue agarrar. Esta brincadeira inocente e estaluva (“bocado de sonho que se tornou corpo”) são, como é de regra em Kleist, os pormenores pilares do drama.
Ao acordar, Homburgo lembra‑se do sonho e não compreende a existência corpórea da luva que tem na mão. Esta incongruência deixa‑o incompetente para a vida. Hohenzollern poderia esclarecê‑lo, mas o Eleitor, logo devolvido ao peso da sua própria e da dignidade do Estado que ele representa, envia um criado com a ordem de nada relatar ao Príncipe “da brincadeira que há pouco se permitiu ter com ele”.Pequeno obstáculo de magnas consequências. Do primeiro encontro sonâmbulo com a sua amada Natália, de quem ao acordar ele esquece o nome, passando pela cena de pânico junto da sepultura aberta, até ao final imprevisível, ambíguo, inexplicável, assistimos à luta de um jovem que não consegue distinguir os sonhos do seu próprio espírito da grave desordem do mundo, separar a sua fantasia da permanente interferência do real equívoco; assistimos ao combate paradoxal para sair de si próprio e ao mesmo tempo encontrarem si a sua regra – e encontrar‑se homem mortal, ascendendo perplexo, desamparado, a uma Razão transcendente, mas igualmente caprichosa e insondável." (Luísa Costa Gomes e António Pires)
Sem comentários:
Enviar um comentário